sábado, 27 de setembro de 2014

Poema Sujo ganha vida no cinema

Poema Sujo ganha vida no cinema

De autoria do poeta Ferreira Gullar, o Poema Sujo, considerado a obra mais ousada do maranhense, será transformado em documentário do cineasta Silvio.
 
Evandro Júnior
Da Equipe de O Estado
 
Foto: Divulgação
Ferreira Gullar escreveu Poema Sujo em 1976
“Nunca pensei que alguém pudesse trabalhar o poema em um longa-metragem”. A frase é do poeta Ferreira Gullar, em entrevista exclusiva para O Estado, referindo-se ao Poema Sujo, de sua autoria, objeto do documentário do cineasta carioca Silvio Tendler. Para a sua montagem, já foram colhidos os primeiros depoimentos do maranhense, e Tendler está em comunicação com pessoas residentes em São Luís para contribuírem no repasse de informações sobre a cidade.
O projeto do cineasta Silvio Tendler é um sonho antigo que começou a se delinear há alguns anos. Em 2010, por exemplo, ele apresentou, na sede do Oi Futuro, em Ipanema, no Rio de Janeiro, uma videoinstalação sobre o mesmo poema. Na ocasião, quem passava pelo local deparava-se com imagens de artistas (como Camila Pitanga e Sergio Britto) lendo trechos da obra, e, ao mesmo tempo, contemplava exposição com fotos do poeta. Na época, o cineasta revelou à imprensa seu desejo de produzir um documentário e uma série de TV e que o Poema Sujo teria uma narrativa cinematográfica perfeita para isso, com começo, meio e fim. “O ‘sujo’ dele tem muitos significados. Tem transgressão política, erótica, escatológica, até chegar à filosófica. É uma obra completa, contemporânea”, declarou na ocasião.
Segundo o cineasta, o projeto já está em fase de finalização e foi batizado como Há Muitas Noites na Noite. A proposta deve ser dividida em série de sete episódios que será exibida na TV Brasil e até o fim do ano deve ser lançada também no cinema. “Estamos finalizando e a proposta é falar do exílio de Ferreira Gullar e, além do Poema Sujo, do outro livro dele, Rabo de Foguete. É um documentário que está ficando lindo”, explica Silvio Tendler.
O cineasta adiantou que no próximo mês virá a São Luís para fazer as últimas gravações para o filme. “Já fui a São Luís várias vezes. Eu adoro a cidade”, ressalta.
Ferreira Gullar ficou surpreso e entusiasmado com a proposta, e está seguro de que o resultado será dos mais interessantes, até porque se trata de um conceituado cineasta. “O poema certamente está possibilitando a ele um bom trabalho, principalmente pela sua quantidade de elementos. Ele [Silvio] inclusive já me entrevistou. Nunca tinha pensado nessa possibilidade [de o poema vir a ser um longa-metragem]. No Maranhão, já fizeram algumas coisas, mas não com essa magnitude”, destacou.
Segundo o poeta, o Poema Sujo, por sua densidade, traz uma riqueza de elementos os quais implicam em múltiplas possibilidades para um trabalho dessa natureza. “São lembranças da infância, referências a São Luís e Buenos Aires, e muitas outras coisas”, disse.

Ousadia – Poema Sujo é uma publicação de 1976. A obra é considerada a mais ousada de Ferreira Gullar. Foi escrita durante o exílio do poeta, em Buenos Aires, na Argentina. Ele sentiu a necessidade de escrever um poema que fosse o seu testemunho final, antes que calassem sua boca para sempre. Em uma época de forte repressão política, sentia-se acossado pela ânsia de rememorar o passado e sentia dificuldade de expressar, em linguagem poética, seu universo interior. Essa necessidade de Gullar transparece logo nos primeiros versos, no nível formal do texto.
Um ano antes de sua publicação, o poeta Vinícius de Moraes promoveu uma série de recitais onde os versos de Poema Sujo
eram ouvidos por diversas plateias. Agora, o documentário em andamento começa a despertar a curiosidade, inclusive ao próprio poeta. “Silvio Tendler é um dos maiores cineastas brasileiros e, com certeza, está fazendo um bom trabalho”, elogiou.
Os filmes de Tendler resgatam a memória brasileira e inspiram seus espectadores a uma reflexão sobre os rumos do Brasil, da América Latina e do mundo em desenvolvimento. Ele é dono de um jeito peculiar de fazer cinema. Entre a gestação de uma ideia, sua execução e finalização, muitas vezes se passam décadas. Com Poema Sujo não está sendo diferente, haja vista que a preparação começou bem antes de 2010. O cineasta tem sempre vários projetos e vai tocando todos ao mesmo tempo. Parte das pesquisas de seus filmes tem origem no volumoso acervo particular de imagens, com mais de 10 mil títulos sobre a história do Brasil e do mundo dos últimos 50 anos.
O carioca é detentor das três maiores bilheterias de documentários na história do cinema brasileiro: O Mundo Mágico dos Trapalhões (1 milhão e 800 mil espectadores), Jango (1 milhão de espectadores) e Anos JK (800 mil espectadores). Jango e Anos JK, apesar de falarem sobre o golpe militar de 1964 e democracia, foram lançados ainda em plena ditadura militar, em 1984 e 1980. A partir de então, ele continuou produzindo uma série de documentários que conquistaram diversos prêmios de público e crítica, divulgando a cultura e a história brasileira para o resto do mundo.

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